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Sinopse:
Concebe-se o interstício como o espaço onde cultura e Natureza despertam, digamos, subitamente peregrinas e profusamente disléxicas. No seu despertar insólito, suspende-se a antiga lógica, as antigas proezas e a antiga ordem. Os seus respectivos territórios de protagonismo encontram-se doravante diversamente atravessados e diferentemente mapeados. Ora o interstício sabe comunicar em todas as línguas do universo; sabe ler o livro da Natureza, bem como pertence à casa matricial do ser. No entanto, fala todas as linguagens em simultâneo, misturando nelas as regras e os significados. Aliás, o interstício fala de acordo com a gramática infinita da diferença; daí o interstício ser portador de prodígio e perigo. Quem atravessa o interstício, espalha sismos. Quem desperta para o interstício, deita-se à noite transformado.
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Mas sabemos sobejamente o quanto o cinema não é tanto a arte do visível como a arte de revelar uma realidade que só se deixa captar nos interstícios do invisível. O cinema exige a todo o realizador uma decisão artística de peso, a de decidir o que se deve e se pode mostrar por ecrã interposto: ora a visibilidade habitual que caracteriza os nossos dias a que chamamos vida, ora essa invisibilidade iluminada pelo ecrã que é onde se revela a biografia real de seres opacos como nós. A arte do cinema é este prodígio de transformação das regras que governam a nossa existência quotidiana mediante a luz maior da revelação. Não há nenhum turístico velejar possível neste contexto: recordar comporta risco. Recordar impõe (novas) rotas e (novos) escolhos. Contudo, o acto de recordar promete também a possibilidade de novos itinerários a partir dos silêncios e sinistros passados. Afinal de contas, o que é que a vida quer de nós senão a totalidade de tudo quanto somos nos interstícios do nosso terror perante a magnitude transcendente dessa mesma vida?
Índice:
Primeira Introdução/Imagens Comunicantes, Palavras Viajantes
Segunda Introdução/Para Cinéfilos Jovens
Terceira Introdução/Para “Nómadas e Peregrinos”
Nota
Os Sessenta e Dois Filmes
Metropolis de Fritz Lang (1927): “Do eixo divino/demoníaco às ansiadas cidades do amor”
As vinhas da ira [The Grapes of Wrath] de John Ford (1940): “Visões de queda e ascensão no filme As vinhas da ira de John Ford”
O mundo a seus pés [Citizen Kane] de Orson Welles (1941): “Citizen Ozymandias e/ou Kubla Kane: uma parábola americana”
À beira do abismo [The Big Sleep] de Howard Hawks (1946): “Film noir, graus zeros e desejo niilista em The Big Sleep”
Ladrões de bicicletas [Ladri di Biciclette] de Vittorio de Sica (1948): “Desventura e anonimato nas cidades da modernidade: em torno do filme Ladrões de bicicletas de Vittorio de Sica”
Hamlet de Laurence Olivier (1948): “Em torno da vida como circunstancialidade desamparada, ou: o mundo como palco para a consciência humana, que só existe na medida em que encarna – no seu ambíguo protagonismo – a sua própria inexistência. E ainda um breve diálogo com três dramatis personae”
O crepúsculo dos deuses [Sunset Boulevard; também Sunset Blvd.] de Billy Wilder (1950): “Em torno da ambiguidade dos deuses humanos”
Eva [All about Eve] de Joseph L. Mankiewicz (1950): “Eva, ou duas ou três coisas acerca de Joseph L. Mankiewicz”
A Rainha Africana [The African Queen] de John Huston (1951): “A incôngrua arte de storytelling n’A Rainha Africana de Huston: a vida como aventura-limite”
A Estrada [La Strada] de Federico Fellini (1954): “A estrada e mais nada, nada mais do que a estrada, a estrada e o nada, a estrada que não dá nada, o nada que é afinal tudo…”
Há lodo no cais [On the Waterfront] de Elia Kazan (1954): “Dez premissas em torno de Há lodo no cais de Elia Kazan: retórica visual e reminiscências de verdade no artifício do cinema”
Gata em telhado de zinco quente [Cat on a Hot Tin Roof] de Richard Brooks (1958): “Em torno de uma família humana (e de outros animais afins)”
Bruscamente, no Verão passado [Suddenly, Last Summer] de Joseph L. Mankiewicz (1959): “Canibalizando o cérebro/canibalizando o corpo: lobotomia e desejo em Bruscamente, no Verão passado de Tennessee Williams/Joseph L. Mankiewicz”
Amor sem barreiras [West Side Story] de Robert Wise e Jerome Robbins (1961): “Recordando quem e como somos em West Side Story: o cinema como mito e memória”
Boneca de luxo [Breakfast at Tiffany’s] de Blake Edwards (1961): “Despindo (criticamente) esta ‘boneca de luxo’: Entre ‘Lulamae Barnes’ de Tulip, Texas e ‘Holly Golightly’ de Nova Iorque, i.e., a domesticação da sexualidade (e não só) patente no filme de Blake Edwards baseado na novela de Truman Capote”
O Processo [The Trial] de Orson Welles (1962): “Os processos de Kafka/Os espaços de Welles: três momentos do humano sob coacção”
Lolita de Stanley Kubrick (1962): “Uma brevíssima entrevista simulada em torno de Lolita: entre a taxonomia e a transgressão”
O Leopardo [Il Gattopardo] de Luchino Visconti (1963): “O tempo é uma hiena; a eternidade é um «gattopardo»”
Os Pássaros [The Birds] de Alfred Hitchcock (1963): “O ecrã como vertigem (de ideias)”
A noite de iguana [The Night of the Iguana] de John Huston (1964): “A longa noite com pele de iguana; a vida humana como um longo huis-clos”
Dr. Estranho Amor [Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb] de Stanley Kubrick (1964): «Amor é fogo que arde sem se ver»: “Sexo, humor e bombas em Dr. Estranho Amor [Doctor Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb]”
Easy Rider – Sem destino [Easy Rider] de Dennis Hopper (1969): “Era uma vez nos anos sessenta na América: o cinema como território imaginativo e mito moderno no filme Easy Rider de Dennis Hopper”
Laranja mecânica [A Clockwork Orange] de Stanley Kubrick (1971): “A laranja mecânica vista pelo autor Anthony Burgess (1917-1993) e pelo realizador Stanley Kubrick (1928-1999): violência, Estado e livre-arbítrio”
As lágrimas amargas de Petra von Kant [Die Bitteren Tränen der Petra Von Kant] de Rainer Werner Fassbinder (1972): “Mito, casa e desejo no filme As lágrimas amargas de Petra von Kant, ou, Em torno da vida dos manequins”
Voando sobre um ninho de cucos [One Flew over the Cuckoo’s Nest] de Miloš Forman (1975): “O panóptico interior: voando sem asas, vivendo sem grades. Um meta-diálogo”
Festival Rocky de Terror [The Rocky Horror Picture Show] de Jim Sharman (1975): “Era uma vez, num castelo, muito longe daqui, uns visitantes do planeta Transsexual da galáxia Transilvânia…”
Taxi Driver de Martin Scorsese (1976): “O sujeito solitário de Deus no filme Taxi Driver de Martin Scorsese”
Apocalypse Now de Francis Ford Coppola (1979): “Apocalypse Now, ou a revelação no escuro”
Manhattan de Woody Allen (1979): “Mythos, eros e polis no filme Manhattan de Woody Allen: algumas premissas”
Perigo iminente [Blade Runner] de Ridley Scott (1982): “Ser ou não ser um replicant no mundo de Blade Runner: uma triste ciência do ser para o fim das utopias”
Zelig de Woody Allen (1983): “Dois momentos (passados em inglês) com Woody Allen: Cinema, Filosofia e Memória Técnica em Zelig”
Paris, Texas de Wim Wenders (1984) “Paris, Texas: uma cidade inexistente, um estado mítico. Terra (território), Casa (origem) e Mobilidade (exílio e expiação): Uma parábola cinematográfica de Wim Wenders”
Nova Iorque Fora de Horas [After Hours] de Martin Scorsese (1985): “Nova Iorque Fora de Horas, ou, as ruas subterrâneas do psiquismo moderno: um filme brilhantemente menor de Martin Scorsese”
A Mosca [The Fly] de David Cronenberg (1986)/Primeira Incursão: “David Cronenberg’s Mad Scientist in The Fly: Allegories of the «Lab»”
A Mosca [The Fly] de David Cronenberg (1986)/Segunda Incursão: “A poética técnico-trágica em A Mosca de David Cronenberg, ou, Twelve Ways of Looking at a Fly”
September de Woody Allen (1987): “Uma cosmologia setembrina, ou, em torno do jogo de bilhares (jogado amiúde com nove bolas), da turbulência e da violência quotidiana expressa entre nove personagens (quais os nove planetas do sistema solar) no filme Setembro (o nono mês do ano civil) de Woody Allen”
As asas do desejo [Der Himmel über Berlin] de Wim Wenders (1987): “Sobre a melancólica leveza dos anjos e as metamorfoses possíveis”
A lei do desejo [La ley del deseo] de Pedro Almodóvar (1987): “O desejo segundo Pedro Almodóvar, ou, em torno dos triângulos escalenos”
Ligações perigosas [Dangerous Liaisons] de Stephen Frears (1988): “Sete premissas em torno do filme Ligações Perigosas: vida e morte no agon social”
Uma outra mulher [Another Woman] de Woody Allen (1988): “O significado de fragmento e totalidade em Uma outra mulher: imagens de morte e transfiguração”
Sinais de fogo de Luís Filipe Rocha (1995): “Na sombra da Guerra Civil Espanhola/Na sombra do Estado Novo Português: sinais de um cerco”
O Ódio [La Haine] de Mathieu Kassovitz (1995): “Em torno d’O Ódio [La Haine] de Mathieu Kassovitz: abundância e penúria nas cidades”
GATTACA de Andrew Niccol (1997): “Liberdade individual e determinismo genético no filme GATTACA de Andrew Niccol; ou, SER: as transfigurações possíveis da memória”
Tudo sobre a minha mãe [Todo sobre mi madre] de Pedro Almodóvar (1999): “Somos todos filhos e filhas da… mãe-vida, ou, entre os círculos infernais e os rituais regenerativos”
eXistenZ de David Cronenberg (1999): “Corpos simulados e desejo virtual: subterfúgios do real e do simulacro”
De olhos bem fechados [Eyes Wide Shut] de Stanley Kubrick (1999): “Cegueira majestosa e lucidez sonhada, ou a arte de disciplinar a inocência no filme Eyes Wide Shut de Stanley Kubrick”
Irmão, onde estás? [O Brother, Where Art Thou?] dos irmãos Coen (2000): “Em torno do filme Irmão, onde estás? dos irmãos Coen: história, ficção e identidade (em dois momentos)”
K-PAX de Iain Softley (2001): “Ciências e artes do ser sob um céu mudo”
Fala com ela [Hable con ella] de Pedro Almodóvar (2002): “Dois exemplos da retórica visual de Pedro Almodóvar no filme Fala com ela, ou, a lei da solidão”
As Horas [The Hours] de Stephen Daldry (2002): “Em torno dos relógios sem ponteiros e do tempo interior: as horas discretas do ser n’As Horas”
Cidade de Deus de Fernando Meirelles (2002): “A brevidade da vida e a longevidade da arte nas cidades dos homens”
Elephant de Gus van Sant (2003): “Ambivalências do olhar adolescente”
Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera de Kim Ki-Duk (2003): “Ciclo persistente e ascensão possível, ou, ver para lá do insustentável pesadume do ser no filme Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera de Kim Ki-Duk”
Melinda e Melinda de Woody Allen (2004): “Entre a transparência e a ilusão óptica do cinema, ou, Woody e Woody em Melinda e Melinda”
Lisboetas de Sérgio Tréfaut (2004): “Em torno do filme-documentário Lisboetas de Sérgio Tréfaut: eu e tu na cidade contemporânea”
Babel de Alejandro González Iñárritu (2006): “Em torno do filme Babel: uma partitura do mundo”
O Leitor [The Reader] de Stephen Daldry (2008): “Decifrando a história que se quer muda, e/ou cega, e/ou inconsciente, e/ou ilegível no filme O Leitor de Stephen Daldry, com base na obra de ficção de Bernhard Schlink”
Nome de código: Cloverfield [Cloverfield] de Matt Reeves (2008): “Cinema, guerra perpétua e alteridade em Cloverfield (2008) de Matt Reeves”
Frances Ha de Noah Baumbach (2012): “Crueldade e ternura na cidade: a epopeia de um quase coming-of-age no feminino”
Dois dias em Nova Iorque [Two Days in New York] de Julie Delpy (2012): “A propósito de Dois dias em Nova Iorque de Julie Delpy: premissas e peripécias”
Blue Jasmine de Woody Allen (2013): “‘What am I doing here?’: Blue Jasmine, um drama existencial de Woody Allen, ou, a loucura como sistema”
O jogo da imitação [The Imitation Game] de Morten Tyldum (2014): “Algumas premissas e questões em torno d’O jogo da imitação de Morten Tyldum, como ponte de partida para uma exploração mais aprofundada da vida e obra de Alan Turing”
Julieta de Pedro Almodóvar (2016): “Julieta de Pedro Almodóvar: auto-retrato de uma odisseia contemporânea em corpo feminino”
AUTOR:
CHRISTOPHER DAMIEN AURETTA doutorou-se pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, EUA. Lecciona na Universidade NOVA de Lisboa onde organiza seminários em Pensamento Contemporâneo e na área de Ciência e Literatura, focando, sobretudo, exemplos da representação estética da modernidade técnico-científica. Tem publicado e/ou participado em colóquios debruçando-se sobre a obra de António Gedeão, Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Machado de Assis, Primo Levi e Roald Hoffmann, bem como sobre questões relacionadas com a bioarte. Tem traduzido e publicado em inglês poesia de Fernando Pessoa e António Gedeão.
Publicações recentes incluem Dez Anos in Portugal, Ensaios, Prosa, Poesia; Álvaro de Campos, Autobiografia de uma Odisseia Moderna; “Fernando Pessoa’s Mnemosyne Project: Myth, Heteronomy, and the Modern Genealogy of Meaning” (Universidade Católica Editora); António Gedeão, Poemas / Poems; Diário de Bordo, Aspectos do Pensamento Contemporâneo; Pequeno vade-mécum ad loca infecta: para docentes, estudantes e outros mártires (=testemunhas) da modernidade cansados mas ainda capazes de uma ténue esperança; Em torno do cinema, Visualizando a modernidade: narrativas e olhares do ecrã; Cem dias de solidão, Crónicas pedagógicas na Babel contemporânea; entre outros…
Detalhes:
Ano: 2019
Capa: capa mole
Tipo: Livro
N. páginas: 544
Formato: 23x16
ISBN: 978-989-689-271-5
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